Telegrama

Eu já sabia. Quando o porteiro anunciava que havia um telegrama vinha notícia importante. Triste ou alegre, porém precisa.

Depois de ter passado pela mãos dos meus pais, eu podia ler. Sempre me intrigava aquele pt logo depois de uma frase. Mãe, o que é pt?

Sua avó vai chegar!

Eu sabia que ela estava atarefada e reduziu a minha pergunta ao assunto principal. Mas e aquele RG e números?

Mãe! E aquelas letras e números?

Não tive resposta e ficava como que dissecando as palavras e propondo respostas. R de Rio e G de Guanabara, nossa cidade ainda se chamava Guanabara, assim como a Baía de Guanabara. E os números? Somente mais tarde saberia que RG eram as letras símbolo da empresa de aviação Rio Grandense – A VARIG que tanto voei para visitar minha avó e tias e primos me apaixonando definitivamente pelo Pará, especificamente pelo Rio Tapajós.

As viagens pelo nordeste se intensificaram pela Transbrasil numa época especial do meu primeiro trabalho, mas era a Cruzeiro do Sul que morava no meu coração pela música que tocava no final de ano logo quando Varig e Cruzeiro do Sul se uniram em uma só empresa. E a publicidade na TV expressava esta união:

“Estrela brasileira do céu azul iluminando de norte a sul. Mensagem de amor e paz, nasceu Jesus! Chegou o Natal. Papai Noel voando à jato pelo céu trazendo o Natal de felicidades e um Ano Novo cheio de prosperidade. Varig, Varig, Varig.”

Quantos travesseirinhos eu pedi pra levar pra casa? As crianças tinham prioridade. Nunca tive medo de voar. Talvez reconhecesse outros sentimentos de voar pela expressão minha mãe de tristeza e aflição no Santos Dumont. Minha avó não chegava. Acredito que as horas se passaram e ninguém dava informações.

Tinha que rezar. Outra vez peguei ela chorando na janela em casa porque o avião não chegava.

Hoje eu como mãe, toda vez que meus filhos embarcam, sei a plataforma, o vôo e quando eles decolam lá estou eu com os olhos colados no aplicativo que acompanham a viagem. E lá vou eu falando pro piloto: mais pra esquerda tem um vindo na sua direção! Agora entendo muito mais a personagem Dona Herminia que o ator Paulo Gustavo criou. Todas as mães tem um pouco ou muito de donahermines.

Na minha primeira viagem para fora do país estávamos eu, minha irmã numa excursão para Buenos Aires e Bariloche. Tudo bem na ida para a capital da Argentina onde passamos alguns dias. Quando partimos para Bariloche, lembro bem da minha poltrona próxima da porta de embarque e que ela se abriu durante a preparação para decolagem. Rapidamente, a comissária correu e trancou. Imaginei na época que aquilo era bobagem. Contudo, chegar em julho em Bariloche onde tudo era branco, me impressionou. Como o piloto consegue?

Anos depois fui levar uma excursão para um fim-de-semana semana em Foz do Iguaçu para mostrar uma nova aeronave da Transbrasil, pela agência de turismo que eu trabalhava.

Chegando no Galeão, me apresentei como responsável do grupo.

Ok, pode fazer o check in.

Arregalei os olhos quando abriram a pequena cabine e apresentaram o assento. Lá estava eu deixando entrar no avião cerca de 20 agentes de turismo para um Fantur – como chamavam as viagens de final de semana com tudo pago. Fantasia turística: hotel, city tour, alimentação e transportes aéreos e terrestres incluídos.

-Podemos fechar o embarque?

Olhei para o funcionário do aeroporto e sorri. Disse sim com a lista de passageiros quase completa. Sim. Havia no shows até para Fanturs.

Decolamos com serviço de bordo de primeira. Na aterrisagem, infelizmente um pouco diferente. O avião tocou o solo e subiu… quando desceu sentimos a batida e o susto. O piloto pediu desculpas, mas a apresentação da aeronave e da Transbrasil estava sendo comprometida.

Diziam pra mim que quem entra no Turismo não abandona a profissão. “Turismo é uma cachaça!” Muitas viagens, muitas cortesias, festas e badalações. Eu até fiz dois anos de faculdade de turismo, mas sentia falta do lado social.

Foi trabalhando com turismo que tive noção do quanto é grande nosso país e o quanto de ritmo e nuances sonoras a nossa língua dança. Gostos, culturas e natureza. Muitas diferenças com inegáveis belezas. Foi muito bom todas as experiências. Mas foi incrivelmente no telex, que usava para fazer reservas de hotel, que descobri a origem do pt. Era no telex que gostava de acolher as pessoas. Pelas palavras. Conseguia arrancar risos através da palavra das pessoas do outro lado da máquina. E através de meus escritos mostrados na época para um amigo que iniciei mais as leituras e procurar escritores. Não havia mais tanta paixão pelo turismo. A palavra me tocou desde pequena e o trajeto que rumei foi sempre surpreendente. Eu passei por ela, inúmeras vezes de formas diferentes. Como jornalista, como redatora, como cronista, compositora e como o que chamo de “escritos” aquilo que vem de prima, aquilo que toca antes da lógica, aquilo que chega, se instala e se torna algo dito e muitas vezes vivido.

É dela, da escrita, da fotografia, da costura que relato minha vida. É o que me salva. pt É hoje o que mais me representa.pt

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