Telegrama

Eu já sabia. Quando o porteiro anunciava que havia um telegrama vinha notícia importante. Triste ou alegre, porém precisa.

Depois de ter passado pela mãos dos meus pais, eu podia ler. Sempre me intrigava aquele pt logo depois de uma frase. Mãe, o que é pt?

Sua avó vai chegar!

Eu sabia que ela estava atarefada e reduziu a minha pergunta ao assunto principal. Mas e aquele RG e números?

Mãe! E aquelas letras e números?

Não tive resposta e ficava como que dissecando as palavras e propondo respostas. R de Rio e G de Guanabara, nossa cidade ainda se chamava Guanabara, assim como a Baía de Guanabara. E os números? Somente mais tarde saberia que RG eram as letras símbolo da empresa de aviação Rio Grandense – A VARIG que tanto voei para visitar minha avó e tias e primos me apaixonando definitivamente pelo Pará, especificamente pelo Rio Tapajós.

As viagens pelo nordeste se intensificaram pela Transbrasil numa época especial do meu primeiro trabalho, mas era a Cruzeiro do Sul que morava no meu coração pela música que tocava no final de ano logo quando Varig e Cruzeiro do Sul se uniram em uma só empresa. E a publicidade na TV expressava esta união:

“Estrela brasileira do céu azul iluminando de norte a sul. Mensagem de amor e paz, nasceu Jesus! Chegou o Natal. Papai Noel voando à jato pelo céu trazendo o Natal de felicidades e um Ano Novo cheio de prosperidade. Varig, Varig, Varig.”

Quantos travesseirinhos eu pedi pra levar pra casa? As crianças tinham prioridade. Nunca tive medo de voar. Talvez reconhecesse outros sentimentos de voar pela expressão minha mãe de tristeza e aflição no Santos Dumont. Minha avó não chegava. Acredito que as horas se passaram e ninguém dava informações.

Tinha que rezar. Outra vez peguei ela chorando na janela em casa porque o avião não chegava.

Hoje eu como mãe, toda vez que meus filhos embarcam, sei a plataforma, o vôo e quando eles decolam lá estou eu com os olhos colados no aplicativo que acompanham a viagem. E lá vou eu falando pro piloto: mais pra esquerda tem um vindo na sua direção! Agora entendo muito mais a personagem Dona Herminia que o ator Paulo Gustavo criou. Todas as mães tem um pouco ou muito de donahermines.

Na minha primeira viagem para fora do país estávamos eu, minha irmã numa excursão para Buenos Aires e Bariloche. Tudo bem na ida para a capital da Argentina onde passamos alguns dias. Quando partimos para Bariloche, lembro bem da minha poltrona próxima da porta de embarque e que ela se abriu durante a preparação para decolagem. Rapidamente, a comissária correu e trancou. Imaginei na época que aquilo era bobagem. Contudo, chegar em julho em Bariloche onde tudo era branco, me impressionou. Como o piloto consegue?

Anos depois fui levar uma excursão para um fim-de-semana semana em Foz do Iguaçu para mostrar uma nova aeronave da Transbrasil, pela agência de turismo que eu trabalhava.

Chegando no Galeão, me apresentei como responsável do grupo.

Ok, pode fazer o check in.

Arregalei os olhos quando abriram a pequena cabine e apresentaram o assento. Lá estava eu deixando entrar no avião cerca de 20 agentes de turismo para um Fantur – como chamavam as viagens de final de semana com tudo pago. Fantasia turística: hotel, city tour, alimentação e transportes aéreos e terrestres incluídos.

-Podemos fechar o embarque?

Olhei para o funcionário do aeroporto e sorri. Disse sim com a lista de passageiros quase completa. Sim. Havia no shows até para Fanturs.

Decolamos com serviço de bordo de primeira. Na aterrisagem, infelizmente um pouco diferente. O avião tocou o solo e subiu… quando desceu sentimos a batida e o susto. O piloto pediu desculpas, mas a apresentação da aeronave e da Transbrasil estava sendo comprometida.

Diziam pra mim que quem entra no Turismo não abandona a profissão. “Turismo é uma cachaça!” Muitas viagens, muitas cortesias, festas e badalações. Eu até fiz dois anos de faculdade de turismo, mas sentia falta do lado social.

Foi trabalhando com turismo que tive noção do quanto é grande nosso país e o quanto de ritmo e nuances sonoras a nossa língua dança. Gostos, culturas e natureza. Muitas diferenças com inegáveis belezas. Foi muito bom todas as experiências. Mas foi incrivelmente no telex, que usava para fazer reservas de hotel, que descobri a origem do pt. Era no telex que gostava de acolher as pessoas. Pelas palavras. Conseguia arrancar risos através da palavra das pessoas do outro lado da máquina. E através de meus escritos mostrados na época para um amigo que iniciei mais as leituras e procurar escritores. Não havia mais tanta paixão pelo turismo. A palavra me tocou desde pequena e o trajeto que rumei foi sempre surpreendente. Eu passei por ela, inúmeras vezes de formas diferentes. Como jornalista, como redatora, como cronista, compositora e como o que chamo de “escritos” aquilo que vem de prima, aquilo que toca antes da lógica, aquilo que chega, se instala e se torna algo dito e muitas vezes vivido.

É dela, da escrita, da fotografia, da costura que relato minha vida. É o que me salva. pt É hoje o que mais me representa.pt

Retratos de Dinda Lú

Sempre que via as fotos reveladas, impressas e enviadas pelo correio dos meus filhos em Brasília, tinha o remetente da minha comadre. Dinda Lú.

Era 1997 e os filhos iam visitar o avô Babum e Dinda Lú que, com o passar do tempo, se transformou num sítio cheio de árvores frutíferas, cantinhos com balanço e escorrega, patos, galinhas, cães e gatos. Parquinho Tatá e Teteu.

Vivenciei o início deste lugar de terra vermelha e cheia de ideias e amor. Eu cheguei a voltar algumas vezes e, no momento que não estava mais presente, Dinda Lú registrava os momentos e enviava pelo correio. Era ela com sua letra linda e com palavras amorosas esquentando meu coração de mãe que aprendia a dividir os filhos pequeninos.

Penso hoje, que aquela alegria da Dinda Lú com sua máquina fotográfica querendo tirar fotos de tudo e de todos era a vibração do encontro que era fixado e estampado no papel. Ela era acolhimento em forma de gente. Uma escuta amorosa e uma gentileza inigualável.

Eu daqui do Rio tinha certeza, que os meus filhos estavam seguros e alegres, pois ela estava por lá.

Neste último Natal, montei a árvore e enfeites, como de costume, e procurei reorganizar todos os cartões de Natal que havia recebido até então. Coloquei um quadro de cortiça e pendurei alguns cartões de natais passados guardados com muito carinho e cheios de palavras tocantes. Eu admito não ter tido coragem de descartar.

Pois bem, de tantos cartões de Dinda Lu e Babum, há uma carta de 2001 que guardo até hoje com um sentido maior do significado do Natal. ,

O casal dedicou aquele ano a não comprar nenhum presente e, no lugar disso, promoveram a doação à uma instituição.

Neste amor imenso que estrapola família, Dinda Lú, a comadre querida partiu hoje pra uma jornada maior. O seu caminho plantado de flores, fotos e muito amor nos proporcionou o afeto que precisávamos.

Hoje é bem um dia de despedida do corpo, do olhar, da voz, mas fica muito mais dentro de nós. Dinda Lú que sorte ter tido você no meu caminho. Que honra ter tido você com seu coração gigante como comadre. Seu amor não parte. Ele continua conosco. Gratidão por tanto.

I

Me espanta


Algumas frases ditas aqui e acolá de que o que passamos em 08/01/23, colhemos alguns benefícios. Isso me causa estranheza.
Não consigo associar isso,
mesmo que o argumento seja a identificação dos criminosos.
O cenário destruidor de tantas obras, equipamentos e ferramentas, objetos roubados e ambientes aniquilados são a prova bruta daquele que investiu ou investe no ato antidemocrático e de terror.
Guerra é a palavra que me vem à cabeça quando olho fotos e vídeos.
Essa gente fez o que fez porquê prefere o ódio ao amor, a barbárie ao entendimento.
Não sabem o que é comunhão e se do básico, ignoram, não sabem a importância de obras de arte.
Não querem a construção na história do país. Optam por destruição.
Que paguem na forma da lei.

Os que estavam em Brasília no segundo domingo do ano de 2023 num furor de cegueira caminhando para a selvageria são os mesmos
que estavam há dois meses acampados em quartéis em várias partes do país, rezando pela volta do regime militar.
São usurpadores da bandeira e das cores do Brasil.
Este grupo – melhor: grupesco, grupalhasco, grupóide, grupiste – obtém pseudo força para crer que poderiam derrubar um governo eleito.
Se prestam a isso.
Envergonham o Brasil.
Alucinados, machucaram seres, destruíram tudo que viam pela frente e é por isso, que nós o chamamos de terroristas.

Nós que vimos as cenas estapafúrdias, demos o troco na segunda-feira, dia 09/01/23 gritando aos quatro ventos: Anistia não! Anistia nunca para os destruidores de oito de janeiro.

Nós que tivemos que aceitar as eleições de 2018 e viver no nosso país, onde levaram ao poder um escória, silenciamos porque é assim que se faz na democracia. Aceita-se o jogo político das eleições.
Nós tivemos que engolir a seco os votos destinados a este, que sequer cumpriu os ritos da democracia quando perdeu a eleição de 22.
Não poderia ter sido um presidente desta república, mas foi eleito por uma parte da população brasileira e por uma outra grande parte que não votou.
Sim, aprendemos que não votar causa horror.
Se omitir de responsabilidade é ter coparticipação nas consequências de um voto nulo ou branco.
Boquiabertos, assistimos, durante todo o desgoverno, decreto por decreto, pautas derrubadas por duras conquistas.
Inúmeras perdas sociais, culturais, ambientais e econômicas.
Pedíamos impeachment.
Dentro do congresso nossos parlamentares foram incansáveis.
Sabíamos que aquele tempo nefasto iria passar. Mas parecia lento e doloroso.
Todos os dias, a gestão catastrófica era noticiada. E foi assim, que aprendemos como um voto é importante.
Alguns que votaram no fake, já se distanciavam da figura ignóbil.

Muita vezes, dentro do núcleo familiar, tentamos argumentar e mostrar os retrocessos. Um tempo que nos mostrou a morte e a perda de amigos e parentes pela pandemia e pela opção política.
Distanciamento social total.
Assim como um cozimento e fermentação, a escória cresceu.

Eu admito que me causou tristeza, quando soube de entes da família que votaram a favor do descalabro.
Gente formada, gente sem necessidade de ganhar dinheiro por voto, gente letrada, gente que podia ter votado diferente, mas nos fez passar por tudo que vivemos até então.
Pensei:
Sem anistia pra essa gente burra.

Por fim, chegava a hora da gente ficar mais perto e
os que nesta última eleição ainda votaram em 3a via, não entenderam naquela época a gravidade da situação. Talvez depois deste domingo fatídico, tenham entendido o porquê da necessidade do voto pela união da democracia!
Enfim conseguimos eleger a democracia.
Contudo, o ar pútrido do mandato catastrófico do Inominável e de seus pares está perceptível e ainda escutamos os berros dos seguidores acéfalos.

Creio que estamos exorcizando esta besta humana a cada manhã com democracia.

Este texto é, sem nenhuma dúvida, uma pequena análise de uma parcela da maioria da população brasileira que nutre esperança pelo país com democracia e paz, mas nem por isso, imagina anistia aos criminosos.

Rio Arapiuns

A Revista Manchete e seus 52 anos do Tri

Eu tinha 6 anos quando fui à banca de jornal com meu pai comprar esta edição especial, folheada e lida pela família, por amigos e parentes. Ela é uma recordação que fiz questão de guardar.

Futebol era uma ponte entre eu e meu pai. Ir ao Maracanã sempre me deu alegria, mesmo que ele tentasse me persuadir a não ir: “não é lugar pra uma menina”.
Teimosa, eu pedia a minha mãe para interceder. E lá ia eu viver aquele mundão:)

Cheguei a fazer embaixadinha. 1, 2 e 3 com pé esquerdo, afinal, meu pai era conhecido como “esquerdinha” em Natal,RG.
Ele me ensinou o que era o “corner”- escanteio, marcação, chute a gol, setor, lateral, defesa, o jogo de retranca, o ataque e a arbitragem.
Sim, foi difícil entender quando o juiz marcava impedimento.
Olhar não só pra bola, mas para o contexto. Quase um olhar budista.
Quando o jogo não era transmitido ou quando não íamos ao Maraca, o rádio era o som da casa. A voz dos locutores, dos comentaristas se misturavam com as frases e muxoxos do meu pai.
Ele era fã do João Saldanha – cronista, repórter, comentarista, botafoguense e um grande ser humano.
Ele lia as crônicas do João e eu ouvia ele comentando com minha mãe.
E lá ia eu tentar ler. Primeiro foi o jornal Última Hora e depois Jornal do Brasil. Difícil pra uma criança entender o linguajar futebolístico.
Assim foi a minha tentativa de estar perto do universo do meu pai que faleceu em maio de 1989. Ano que nosso time venceu o campeonato brasileiro depois de longo tempo.

Em 2017, eu fui ao lançamento do livro “João Saldanha – as 100 melhores crônicas” comentadas por Marcelo Guimarães, César Oliveira e Alexandre Mesquita.
Uma leitura que me fez rir (p.e. Pg 161) e entender seu olhar visionário sobre o futebol (pg 231). Entendi um pouco mais da onde vinha o sarcasmo de meu pai e sua paixão pelo futebol.

Hoje, quando peguei a revista de 1970 com tantos craques que conquistaram o tri campeonato mundial de futebol, numa época com tão pouca liberdade de expressão no país, pensei sobre a democracia e a distopia.
Os jogadores e os sonhos. O romantismo e os véus. O repertório no meio do campo e uma nação com olhos grudados querendo gol.

Estou assistindo os jogos da Copa, vibrando com a beleza e maestria de algumas seleções.
Torço com distanciamento.
É que eu venho de um tempo de desânimo e acabei de reiniciar um ciclo de alegria.
Optei sorrir para o futebol

A música de Gil refloresta

Escutei a linda música composta pelo Gilberto Gil em cima da história da fazenda Bulcão, local onde nasceu e cresceu Sebastião Salgado e que mais tarde se tornou o Instituto Terra.
Após anos de desertificação, a fazenda em Minas foi replantada por mais de 20 anos.
Sebastião e sua esposa Lélia moraram anos fora do Brasil, quando voltaram, em visita ao pai dele, Sebastião se deparou com um lugar seco, sem árvores e sem vida. Tendo crescido no local, percebeu que a criação de gado da família e o plantio sistemático de monocultura destruiu a floresta. Ele e sua mulher decidiram iniciar o replantio.
Ver através das fotos expostas no Instituto, a diferença do antes e depois, mostra que é possível a floresta trazer de volta os animais e a água também.
Entre dezembro 2015 e janeiro de 2016, eu fiz uma viagem com intuito de registrar o crime ambiental acontecido com o Rio Doce com o rompimento da barragem da mineração em Mariana. Registrei algumas cidades que margeiam o rio Doce e me deparei com o Instituto Terra durante essa viagem fotográfica.
Chegando à Aimorés, não sabia a ligação de Sebastião com o local.
Estava com o coração triste de ver tanta lama da mineração surrando o rio. Estava cansada do ser humano.

Fotografando e conversando com alguns moradores eles contam que Sebastião chorava em frente à cidade fotografando o crime ambiental. Quando soube que o Tião que eles se referiam era o Salgado, fiquei surpresa.

Um morador insistiu para eu conhecer o instituto Terra.
Foi a alegria de ver o lugar que me me animou. Borboletas voavam ao meu redor, a natureza cuidada amorosamente estava ali.
Um alívio bateu em ver que o homem também pode fazer o bem.
Voltei pra casa com um material extenso e com um coração cheio de esperança.

Quatro anos depois do crime da Samarco/Vale em Mariana, veio Brumadinho em 2019. Mais uma vez a mineração mostrava sua ganância e incompetência.

Este ano de 2021, o acordo de compensação ambiental e social foi firmado entre o governo de Minas Gerais e a Vale: mais de 37 bilhões de reais.
Na ocasião, parentes das vítimas e os sobreviventes denunciaram que não foram ouvidos no acordo. O Relatório socioambiental ainda não saiu e a reunião com os acionistas será em abril. Por isso a aceleração do acordo.
Porém, os atingidos pela barragem de mineração irão recorrer ao STF.

P.S. A exposição do Rio Doce ainda não foi realizada.

2015 – Rio Doce atingido pelo rompimento da barragem de mineração da Vale.

Dinâmica de uma pandemia

Uma viagem em meio essa pandemia, onde o pensamento vagueia e percebe o tempo de uma forma totalmente diferente.

No mínimo frescor oferecido pelo clima que sinto na minha casa fico feliz por sentir o vento geladinho vindo em minha direção, prova de um dia anterior de chuva. Dia de Natal onde passei com os gatos, com alimentação gostosa e com música. Dancei e dancei. Cada ser no seu presente confinado ou com outros seres. Nem mais nem menos importantes. Apenas outros. Olho para a janela que me convida a enxergar.

Quando fujo pra dentro da mata em frente ao sofá onde deito, e vou além da janela e sigo o que vejo, eu me sinto bem. Me refugio nos sons dos pássaros e tento encontrá-los vasculhando com o olhar pra dentro da mata densa. Não os encontro. As outras aves, como marcando território, também cantam. Uma orquestração ao meio ao latido do cão, ao som do helicóptero que passa neste céu azul sem nuvens e do coaxar dos sapos que sentem a água guardada dentro das folhas maiores dentro do verde extenso.

Tenho pensado o que quero ser quando crescer. Quando meu espírito crescer e se der conta que parti daqui. Quero ser um gato? Ou um cachorro? Um pássaro ou uma árvore? Tenho medo de ser decapitada. Ou de ver o ninho caindo com meus filhotes enquanto volto com comida no bico. Não há psicólogo que ajeite uma visão dessas. Sua moradia sendo destruída para ser vendida e ali pastar gado ou ser monocultura de soja. Ah! Este processo longo que leva ver uma rainha árvore crescer e se tornar madura e ter um pequeno grupo para protegê-la. Neste exato momento, o norte do meu país está sendo dizimado. O governo atual não tem apreço ao meio ambiente e muito menos a agroecologia. Índios sendo assassinados, sem condições de se manter em locais que são invadidos por grileiros e garimpeiros. Um governo que não tem plano de enfrentamento para minimizar o contágio do Coronavirus Covid-19 e venera armas, milícia e torturadores. Nenhum brasileiro precisa deste ódio em suas terras.

Mas estamos vivendo exatamente este cenário neste momento. Acuados, envergonhados e respirando com dificuldade este ar. Vírus ao quadrado. Por mais dois anos. Quantos brasileiros mortos por esta pandemia porque o sistema de saúde não responde com emergência, porque o poder executivo prepara o fim da saúde pública e se preocupa com exibicionismo de traje usado no dia de sua posse. Isso é muito pior que qualquer futebol com resultado de 7×0. É. É gosto amargo mesmo. Sentimentos de perda e de traição de pessoas que você bebeu chopp votando neste tipo de político. Brasil sendo destruído democraticamente. Ver a agonia de um país que você vive é morrer todo dia um pouco. Aos que ficam a morte está à espreita por covid ou por desgosto. Ou pelos dois.

Eu insisto em dizer que a vida é mais do que reclamar e odiar essa gente.

Eu planto árvores num apartamento e acho que mereço vê-las crescer. O ato de cuidar sempre me atraiu. Dentro e fora de casa. Me cuidar e cuidar do outro. E agora quando praticamos o distanciamento social percebo como o abraço me faz falta. Eu já sabia há muito tempo que o abraço é uma das ferramentas mais amorosas que temos. Eu brincava com todos que abraçava dizendo conta até 20 para dar tempo de instigar a dopamina. Algumas pessoas falavam: Chega! E eu sabia então que essas não eram abraçadas há bastante tempo. Desaprenderam a abraçar. E tinha também as que davam tapinhas nas costas. Que coisa não? A entrega é muito difícil para alguns.

Só se abraça quando é aniversário, velório, despedidas e chegadas. Em tempo de pandemia perder um amor e não poder se despedir deve ser uma dor irreparável. É possível sentir a dor do próximo. Nesse momento trágico de separação de corpos, estamos tentando nos encontrar pelas lives nos celulares, tabletes e notebooks. O olhar é o abraço.

Penso em minha vida e no quanto posso ressignificar o olhar e o tempo. A resiliência tem sido uma companheira e tanto. Penso no tempo que temos que aturar este governo. Temos? No tempo que tenho e o que ainda posso fazer por mim, pelo outro e pelo planeta.

Penso na vida expandida. Além daqui. Outra vida. Outro lugar.

Ainda acho que, se há mesmo reencarnação e ainda se o tempo é relativo posso reencarnar no passado. Oh yes! Por que só no futuro? Esse tempo passado, presente e futuro é orientação terráquea. Eu estou me referindo ao universo. De outros mundos. De planeta e forma de vida inimagináveis.

Uma viagem no meio desta pandemia. Uma viagem pensante. Uma paixão no passado recente se transformando em verso, poema, música. Uma visão iluminada de que quero mais.

Lá fora é aqui dentro

Coco Chanel

Fico pensando como foi importante chegar às 7 horas da manhã lá na Gávea numa ruazinha simpática e sem saída e entrar numa fila pra comprar esta máquina de costura.

Já havia várias pessoas no local pra minha surpresa. Na fila, fui conversando com algumas pessoas até descobrir quem tinha o número 01. Era um homem simpático que não tinha intenção em comprar nada especificamente divulgado no site Venda em residência.

Eu conversei com ele se poderia pegar a máquina de costura pra mim. Ele disse que se estivesse no caminho dele, faria isso.

Quando chegou a hora de pegar a senha definitiva às 9h, meu número era 11, se não me engano. Assim, às dez horas abriram a casa e entramos em

fila.

A máquina não estava mais exposta. Fiquei meio triste, mas de repente o moço veio e me disse:

– Ei, olha aqui a sua máquina!

Eu sorri e o agradeci demais.

– Como posso ajudá-lo? – perguntei

Ele disse que estava tudo bem. Levei-a para um local para teste e a princípio ela não estava respondendo no encaixe da bobina. A dona da casa muito calma, me falou:

– Essa máquina era da minha filha que agora mora em Portugal. Mas ela foi comprada na França, na época que foi estudar moda em Paris. Você vai precisar do transformador, pois ela é 220 volts. Vou pegar pra você.

Sorri pra a mãe da moça e disse:

– Eu estou estudando moda e fico feliz que sua filha também tenha estudado moda.

E ela completou:

– Ela é uma excelente máquina. Vou falar com minha filha que vc a comprou. Ela ficará feliz!

Às vezes, as pessoas tem medo de comprar algo de segunda mão, mas eu não. Procuro ver os detalhes e se tiver alguém que entenda melhor ainda. Assim que paguei a máquina, o moço que a pegou pra mim, me ofereceu carona. Aí eu fiquei com receio.

– Eu sou uber!  Pra onde vc vai?

– Ipanema.

– Eu moro do lado!

Ofereceu carona pra mais um

senhor que estava no local também e que ele conhecia.

– Ele trabalha comprando e revendendo produtos na Praça Quinze, disse.

Aceitei a carona acreditando que ali estava realmente uma boa pessoa.

Ao chegar na frente do meu prédio, fiz questão de entregar um valor pela corrida.

Ele recusou duas vezes.

E disse:

– Faca. Bom Proveito! Fique bem!

Eu, de certa forma,  fiquei envergonhada em pensar por algum momento que no mundo não existem mais pessoas boas principalmente desconhecidas.

Nunca mais vi este moço. Alguns podem chamá-lo de anjo. Eu prefiro pensar nele como um carioca que me fez um bem danado! Ou talvez, os dois.

Quando coloquei a máquina de costura na mesa, batizei-a de Coco Chanel pelo fato de ter vindo da França. Chamei meu conhecido que conserta minhas máquinas e ele me ensinou tudo no funcionamento dela.

Decretou: – Ela está perfeita!

A partir desta aquisição costurei as peças que entreguei nas aulas de Modelagem. Minha mãe costurou nela. E ela me ajuda tanto nesta pandemia! É uma parceira que tenho gratidão imensa por me ajudar a fazer as máscaras doadas e vendidas.

Gratidão

Assim que pude,  comprei uma overlock – uma máquina que faz um outro tipo de ponto que a costura reta não faz. Batizei ela de Zuzu Angel.

Coco e Zuzu são parte da minha vida. A costura faz parte de mim.

Era chegada dele partir. Afinal, as coisas tem seu ciclo de vida assim como as pessoas.

Irão deitar nele, serão outras cabeças.

Me lembro bem do dia que vi este beliche de madeira maciça numa loja de móveis em Niterói. Eu andava mesmo procurando um bom lugar para meus filhos dormirem.

A moça logo me convidou pra ver a composição dele com a mesa, cadeira e estante – que ainda tenho.

– Bate na madeira pra a senhora ver como é boa! – disse ela.

Bati, mas não três vezes. E olhei, já projetando meu menino e minha menina nele. Tinha certeza que ele iria querer ficar no segundo andar. Colocaria estrelas iluminadas no teto pra que de noite, ele visse o céu bem de perto. Elas foram conosco para muitos endereços.

Depois que chegou mais uma menina, o beliche ficou no quarto delas. Com a necessidade de mesas para estudo, pedi um marcineiro que fizesse uma mesa retrátil para sair debaixo do segunda cama. Ficou uma beleza e funcional. Uma mesa para cada uma.

Outra mudança e ele ficou na casa da avó, onde o genro, marcineiro decidiu tirar as mesas:(

Após ir para outra cidade, onde a mais velha estuda, agora o beliche parte para uma outra família.

Ficou conosco uns 13 anos. E ficará mais uns longos anos.

Que o beliche, sua madeira, embale os sonhos de novos jovens.